CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE
“No Brasil, a reforma da política de saúde deve ser compreendida a partir da questão mais ampla da descentralização e democratização do Estado, a qual se inscreve no contexto das reformas sociais iniciadas a partir da segunda metade da década de setenta. A transição política do regime militar para uma democracia participativa gerou uma abertura política impulsionada pela pressão da sociedade civil, através da força dos movimentos sociais, que se diferenciam por expressar fortes conteúdos reivindicativos e de oposição ao regime militar, tendo a liberdade política como o ponto de partida da mobilização social.
A busca de uma vida com mais saúde, educação, moradia, saneamento, renda e a crescente perda da qualidade de vida, diante da falta destes bens, ocasionou um "caráter" de oposição e reivindicação por mudanças na estrutura social, econômica e política do país. Diante desta realidade, as políticas sociais adquiriram o sentido de instrumento de justiça social e se tornaram o fio transmissor entre a sociedade e o Estado, até então omisso. Neste período, a interdição do Estado torna-se insuficiente para controlar a ação coletiva destes novos atores, criando possibilidades para que os movimentos sociais passem a se articular enquanto organismos políticos de representação da sociedade.
Não obstante, a transição para a democracia assume características peculiares, em que uma descompressão planejada abre espaços para coalizões heterogêneas, resultando no que Cotta et al. denominaram "pacto interelites". Para os diversos atores sociais envolvidos neste "pacto" (burocracia pública e áreas profissionais e intelectuais), a descentralização e a instituição de práticas participativas constituíram estratégias fundamentais para a implementação das reformas do Estado. Pode-se considerar como um marco deste período a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS) no ano de 1986, na qual a participação ativa de diversos segmentos da sociedade abriu a possibilidade para um modelo de política de saúde mais democrático.
Desse modo, a Constituição Federal de 1988, em seus artigos, 196 a 200, incorporou as propostas originais da reforma sanitária, sintetizadas na VIII CNS, na forma do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde 8.080/90 e 8.142/90, nas quais encontra o detalhamento de suas diretrizes e da operacionalização de alguns aspectos do sistema. As Normas de Operação Básica (NOB), Normas de Assistência à Saúde (NOAS), o Pacto pela Saúde e demais portarias e resoluções do Ministério da Saúde complementam, organizam e definem as balizas para implementação da política de saúde em nosso país. Assim, com o SUS, a saúde emerge como questão de cidadania e a participação social como condição essencial para o seu exercício.
A institucionalização da participação social no SUS foi feita por meio de vários dispositivos legais, a começar pelo texto constitucional de 1988, que define o "caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade". Assim, no setor saúde, a participação social passa a ser um dos princípios orientadores do SUS, constituindo, para sua concretização, a criação dos novos canais participativos, nas três esferas de governo - conselhos e conferências de saúde - sendo os Conselhos de Saúde os principais órgãos de controle social na definição do sistema e dos serviços de saúde.
Em 1991, é sancionada a Lei 8.142, que define a competência dos Conselhos de Saúde: art. 1º, parágrafo 2º: O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.
Desde esta perspectiva, vale salientar que os conselhos de saúde constituem-se como novos espaços públicos propiciados pela reestruturação do Estado, obtida pelas forças políticas com base no pressuposto de que a participação da sociedade deva ser acolhida pelo Estado como forma de controle social e interferência na definição e desempenho das políticas públicas. Assim, com a criação dos conselhos, o controle social assume lugar estratégico na definição e execução das políticas de saúde no Brasil.”
Fonte: https://www.scielosp.org/article/csc/2010.v15n5/2437-2445/